Companhia Paulista de Estradas de Ferro




A navegação no rio Mogi-Guaçu



No final de 1881, começaram as explorações nos rios Mogi e Pardo para a sua navegação. Concluiu-se então que alguns melhoramentos teriam de ser feitos para se atingir tal intento. Em 223 km, percorridos a partir de Porto Ferreira, escolhida para ser o ponto inicial de embarque da navegação, foram achadas uma série de corredeiras: Joaquim do Porto, Prainha, Escaramuça, Boa Vista, Cordão e Córrego Rico, todas no Mogi-Guaçu e oferecendo "embaraços vencíveis". O resultado encorajava a continuação do empreendimento, que era fundamental para a Companhia. Perdidas as saídas da ferrovia por Rio Claro e São Simão para Mato Grosso, chegar ao rio Grande pelo rio era outra solução, que poderia ser provisória ou definitiva, mas fundamental para a subsistência da Paulista como empresa.

Por outro lado, foi nesse ano que a Diretoria considerou que "como força poderosa para a consecução de tão patriotico fim (o rápido desenvolvimento da província) e acquisição de braços livres, tomou a resolução de conceder passagens gratuitas com suas respectivas bagagens, aos colonos e imigrantes". Esta histórica decisão permaneceu em vigor por longos anos, e mostrava a visão que os diretores da Paulista tinham do grande futuro de São Paulo.

Em 1883, a Companhia continuou avançando no empreendimento da navegação a vapor, mas não sem dificuldades políticas: o Presidente da Província, Conselheiro Soares Brandão, recusou-se a sancionar a lei proposta pela Assembléia Provincial para a aprovação dos projetos de navegação para os rios Mogi-Guaçu e Pardo. Mesmo assim, no ano seguinte, o engenheiro Walter Hammond, inspetor geral da Companhia, foi designado para ir aos Estados Unidos, com o fim de examinar a navegação fluvial em rios, nas mesmas condições do Mogi. Foi, entre outras cidades, a Pittsburgh, onde se juntam os rios Monongahella e Allegheny para formar o rio Ohio. O primeiro destes rios apresentava as condições esperadas. Ele verificou, então, que o ideal seriam os vapores com rodas na popa, enquanto que nas corredeiras, usar-se-ia um sistema de cabos e tambores, que eram utilizados com sucesso nos rios europeus Ródano, Danúbio, Sena, Elba e Reno. Além disso, ele concluiu que seria possível a construção de vapores de calado muito pequeno com as rodas na popa, e que deveria ser colocada, no canal do rio, uma corrente de ferro para que o vapor subisse o rio, ajudado por um maquinismo especial. Finalmente, o proponente que venceu a licitação para a construção de vapores e lanchas foi a firma Yarrow & Co., de Londres. As obras começaram e era esperado que, até setembro de 1984, se pudesse navegar até a corredeira de Escaramuça. Com efeito, já no início de 1885, o vapor Conde D'Eu saía de Porto Ferreira com direção a Pontal, na confluência dos rios Mogi-Guaçu e Pardo, percorrendo 205 km em 14 horas. No meio desse mesmo ano, já se atracava nos portos de Prainha, Amaral e Pulador, e as assim chamadas estações - que eram portos, na verdade - começavam a ser construídas. Projetava-se, mais adiante, novos portos: Porto Martins e Jataí. Adquiriu-se um novo navio, o Rio Bonito, cujo nome era Piratininga, quando pertencente ao antigo dono.

A navegação era uma grande fonte de renda, no que tocava às cargas; o número de passageiros, porém, era muito pequeno. Um relatório de 4 de abril de 1886 explica bem a situação: "O numero de passageiros é insignificante, e tão cedo não será muito grande, porque as margens do rio ainda não estão povoadas, e porque quando a distancia entre o rio e uma estrada de ferro é igual, naturalmente a ultima é escolhida. Mesmo que o numero fosse dez vezes o atual, a Cia. Tiraria bem pouco lucro desse ramo de trafego. Sempre a condução de passageiros nos vapores será considerada uma concessão da Cia. Com o publico; assim, por muitos e muitos anos a Cia. Não achará conveniencia em fazer correr seus vapores de combinação com os trens na estrada de ferro". Para se comprovar isto, no segundo semestre de 1886, viajaram pelos vapores somente 91 passageiros. Em 1885, as estações de Prainha, Amaral e Pulador foram reconhecidas também como agências de correio, sendo o chefe de estação designado seu agente. Ligadas por fios de telégrafo, essas estações-portos ofereciam vantagens idênticas às das estações da ferrovia. E mais vapores vieram, no final do ano: o Conselheiro Antonio Prado já navegava, o Nicolau Queiroz estava quase pronto e o Elias Chaves estava ainda no projeto.

A navegação prosseguia, mas as obras para se avançar no leito com os vapores desenvolviam-se mais lentamente do que o esperado. Em 1886, fazia-se sentir na província uma forte crise na mão-de-obra; além disso, não era fácil recrutar-se operários que deveriam permanecer na água por longos períodos, sujeitos também às febres intermitentes e aos perigos do uso da dinamite para desobstrução do leito do rio. A essa altura, os portos de Jataí e Cedro já funcionavam, e quatro navios já navegavam, com o Elias Chaves prestes a se tornar o quinto. Nesse mesmo ano, o Imperador Dom Pedro II juntamente com sua esposa, D. Teresa Cristina, visitou as ferrovias da Cia. Paulista e foi até Porto Ferreira, onde navegou pelo rio num dos novos barcos. A visita foi providencial e deve ter agradado a Sua Majestade, pois, menos de um ano depois, um decreto imperial daria a privilégio, por dez anos, à Paulista para a navegação nos rios Mogi-Guaçu e Pardo.

Em 1890, o percurso estava completo, com 200 km de extensão de navegação desde Porto Ferreira até o porto de Pontal, na junção com o rio Pardo. Mas, em 1900, a Diretoria começou os estudos para o prolongamento da linha férrea, que já atingia Jaboticabal, até Bebedouro, acompanhando a margem esquerda do rio Mogi, enquanto a sua margem direita seria atendida com a construção de um ramal saindo de Rincão. Nunca é demais lembrar que a Paulista havia adquirido as linhas da antiga Rioclarense, em 1892, e tomado posse das ferrovias além de Rio Claro, fato que, quando se começou a navegação, era absolutamente impensado. "É obvio que sem nenhum prejuízo, quer para o publico, quer para a Companhia, se poderá então suspender o serviço de navegação fluvial de Porto Amaral para baixo, na estensão de 170 kilometros, mantendo-o apenas no trecho de 30 kilometros que medeia entre Porto Amaral e Porto Ferreira".

A movimentação da linha fluvial foi crescente até esse ano, quando atingiu seu pico de faturamento (Rs. 379:770$940). Daí para a frente, 1901 (Rs 331:288$700) e 1902 (Rs 209:625$080) até terminar em 1903, ano em que se percorria somente a extensão de 66 km, com o faturamento somente de Rs 8:545$260. Curiosamente, em 1891, apenas um ano após chegar à estação-porto mais longínqua, a Companhia desativou o primeiro desses portos. Nos relatórios imediatamente posteriores a 1903, escreve-se: "(...) A 25/03/1885, inaugurou-se Prainha, Amaral e Pulador; em maio de 1886, Cunha Bueno, Jatahy e Cedro; em 22/09/1886, Guatapará e Martinho Prado; em 10/01/87, Barrinha, Pitangueiras e Pontal. Em março de 1891, suprimiu-se Pulador; em fevereiro de 1895, Cunha Bueno e Cedro; em dezembro de 1900, Jatahy; em dezembro de 1901, Guatapará e Marinho Prado; em 25/03/1903, Barrinha, Pitangueiras e Pontal; em 30/04/1903, Prainha e Amaral, e extinguiu-se a viação fluvial". Muitos desses portos tiveram seus nomes conservados nas novas estações ferroviárias que começavam a ser instaladas nas novas linhas. A navegação acabou sendo extinta não só por causa do problemas causado pelas baixas do rio, que ocorriam exatamente nos períodos de colheita do café, mas principalmente porque a Paulista, já em 1901, chegava com a sua linha férrea do outro lado do rio Mogi na região de Guatapará, cruzando-o e acompanhando-o pela sua margem oriental até Passagem, onde os trilhos chegaram em 1903. Neste mesmo ano a navegação cessou: "Com a inauguração do trafego do ramal ferreo que parte da estação de Rincão e se desenvolve pela margem esquerda do rio Mogy-Guassú, tornou-se dispensável o serviço de navegação alli mantido, que, a partir do dia 1º de fevereiro ultimo, foi suspenso de Porto Amaral para baixo, e, depois de 1o de maio, tambem no trecho de Porto Ferreira e Amaral, desde que se verificou ter ficado nesta parte o trafego reduzido ao transporte de mui diminuta tonelagem de cargas e poderem estas transitar via Descalvado ou pela estação de Tombadouro, do ramal de Santa Rita, com sensível economia nos fretes, segundo o plano de reducção de tarifas que breve entrará em vigor".

Em fins de 1902, existiam ainda 11 vapores, 40 lanchas e 5 balsas. No ano seguinte, os vapores Elias Fausto, Eduardo Prates e José de Queiroz foram vendidos ao Governo para a navegação do rio Ribeira de Iguape. Os outros, ou sejam: Conde D'Eu, Nicolau Queiroz, Elias Chaves, Antonio Prado, Barão de Jaguara, Fidencio Prates, Antonio Paes e Antonio Lacerda ainda permaneceram mais algum tempo em mãos da Companhia até serem vendidos.

Com efeito, o relatório da Companhia de 30/06/1904 citava o obituário da navegação fluvial: "A partir de primeiro de Maio foi completamente supprimido o trafego da navegação e fechada a officina de Porto Ferreira, que até então trabalhava para a reparação do material fluvial e do material rodante da bitola de 0m60. D'esta data em deante a reparação das locomotivas, carros e vagões das linhas de Santa Rita e Descalvadense passou a ser feita nas officinas de Jundiahy".

A cidade de Porto Ferreira sofreu um grande baque com a desativação: em 1904, a mudança de 200 famílias para fora da cidade causou um estrago que nem a epidemia de febre amarela de 1891-92 conseguira fazer. A cidade havia crescido e se tronado um dos pontos estratégicos para a Paulista. Esta havia feito o arruamento da nova cidade e financiado e construção da igreja matriz. Em 1892, a cidade separou-se como distrito de Descalvado e era anexada a Pirassununga, então uma cidade bem maior. E quatro anos depois, separou-se como município autônomo. Afinal, era dali que partiam todos os vapores rio acima até o rio Pardo, colhendo boa parte da safra de café da região a leste e a oeste do rio Mogi e também do alto rio Pardo. Iniciava-se ali um período de vacas magras para a cidade que, ajudado a pelo problema da malária, causado pela própria Paulista quando construiu um dique na foz do rio Santa Rosa, necessário às obras para permitir a navegação fluvial, faria a cidade estagnar pelos trinta anos seguintes.

Ralph Mennucci Giesbrecht - do seu livro "A Estrada do Mogy-Guassú - A História dos ramais ferroviários de Descalvado e de Santa Veridiana"